A criança autista e o seu direito de sonhar

A criança autista e o seu direito de sonhar

Por Jeane Rodrigues
Conselheira da ONDA-Autismo em Minas Gerais, autista, mãe atípica, escritora, psicopedagoga clínica especialista em ABA, expert em autismo.


O “dia das crianças” se aproxima, e parei pra refletir um pouco sobre como lidamos com nossas crianças atípicas muitas vezes nos esquecendo que antes de serem autistas, são simplesmente crianças.

Sou mãe de um menino autista, de cinco anos.

E também fui uma criança autista. Porém, sem diagnóstico, tratada e educada como uma criança típica.

E olhando para trás vejo que por mais que tenham me faltado diagnóstico, tratamento e inclusão escolar, por exemplo, meus pais mesmo na sua simplicidade e total desconhecimento do que fosse o transtorno do espectro autista, nunca me negaram ou permitiram que me negassem o direito de sonhar.

Eu sonhei muito. Fui princesa, veterinária, mãe de muitas filhas bonecas...

Eu sonhei!

Sonhei que entraria numa faculdade, que seria independente e ganharia meu próprio dinheiro.

Sonhei que seria mãe.

E hoje penso que a menina que fui se orgulharia muito de ver a mulher sonhadora que me tornei.

Como mãe tenho muitos medos. Mas o maior dele é de impedir, mesmo que involuntariamente, que meu filho possa sonhar e ser o que ele quiser ser.

Nós, pais de crianças autistas enfrentamos batalhas todos os dias. Muitas vezes, essas batalhas são judiciais, inclusive.

Lutamos para que nossos filhos tenham direito à saúde, educação, inclusão.

E no meio de tanta coisa, muitas vezes nos esquecemos de lutar pelo direito que eles têm de sonhar.

Passamos tanto tempo pesquisando, estudando, planejando mil e uma maneiras de estimular, de aproveitar os benefícios da neuroplasticidade, não perder as “janelas de oportunidade”, garantir o máximo de horas de terapia possível.

Mas e o direito ao sonho infantil? À brincadeira livre sem demanda previamente estabelecida, sem objetivo traçado num programa específico?

E o direito a balançar as mãozinhas pela felicidade de simplesmente ser criança?

Meu filho atualmente tem um hiperfoco num personagem de desenho infantil que é quase uma unanimidade entre as crianças de sua idade. E quantas estratégias eu já tracei pra tentar frear e coibir o gosto, interesse e admiração que ele tem por esse personagem?

Às vezes penso que falho. Se meu filho fosse uma criança típica e como tantas outras de sua idade fosse fã do desenho animado, eu o trataria da mesma maneira?

Como autista e como terapeuta eu conheço os benefícios e os prejuízos que os hiperfocos podem nos trazer. Sim. Conheço todos eles, na teoria e na prática.

Mas penso que muitas vezes, na tentativa de administrar esse hiperfoco eu talvez o tenha privado de sonhar, de imaginar, de fantasiar!

E a reflexão que deixo aqui hoje, pra mim mesma e para todos os pais e mães de crianças autistas, é que busquemos o equilíbrio.

Que lutemos sim, e muito, por todos os direitos que nossos filhos têm.

Mas que não nos esqueçamos nunca, que o maior deles, talvez seja o direito de sonhar.