Entrevista com Carlos Telhada (Finho) Fundador e vocalista das bandas paulistanas 365 e MMDC e autor do livro "Poemas de Combate"
Entrevista com Carlos Telhada (Finho) Fundador e vocalista das bandas paulistanas 365 e MMDC e autor do livro
Por André Luis Cotrin Lima
1) Como você descobriu que estava no Espectro Autista?
Sempre achei que havia uma certa "falta de sintonia". Eu tinha dificuldade de entender certas piadas ou propagandas, embora tenha sido declarado com alto QI desde criança. Relacionar-me socialmente sempre foi um grande problema. Aos 57 anos de idade, em 2020, procurei apoio psicológico/psiquiátrico e disse tudo que me afligia. Fui diagnosticado, e tudo fez sentido, mas eu fiquei chocado.
2) Hoje, sabendo da sua condição, isso, te ajudou a entender algumas coisas que lá atrás você sentia dificuldade ou não compreendia?
Além de um monte de coisas mal resolvidas, inúmeras memórias me inundaram. Lembrei-me de coisas que estavam encobertas, provavelmente como mecanismo de defesa. Passagens em que eu me senti profundamente humilhado. Também me lembrei de coisas que eu tinha registrado como erros de outras pessoas, mas que na verdade eram acontecimentos que eu não tinha entendido.
3) O que mudou na sua vida a partir do diagnóstico?
Ainda estou me acostumando com a situação, mas devo admitir que tem momentos em que eu fico bastante inseguro. Fico em dúvida se entendi corretamente o significado de coisas que podem parecer simples para os outros. O fato de eu ser músico desde criança mais a superdotação faziam com que todas as minhas idiossincrasias fossem contabilizadas como "esquisitices de artista". Agora faço acompanhamento psicológico e psiquiátrico e me esforço para aprender a ler expressões faciais e outros sinais que tenho dificuldades de captar.
4) Como você sente que foi a reação das pessoas que convivem com você, como família, amigos e fãs?
Minha família - esposa e filhos - ficou aliviada, para dizer pouco. Isso me deixou muito confuso e depois envergonhado. Parece que todos já sabiam que algo era muito fora da curva, mas não havia como me mostrar isso. Me senti culpado por isso. Sei que não é culpa minha, mas é difícil admitir que a gente tem uma deficiência. A pedido de pessoas e grupos que apoiam autistas, postei meu diagnóstico nas redes socais. Parece que a maioria não entendeu. Alguns ficaram penalizados, outros acharam que era piada. O fato é que eu não tenho uma rede de amigos e, por isso, minha percepção não vai além do meu ambiente familiar.
5) Em relação às bandas MMDC e principalmente o 365, que fez grande sucesso durante as décadas de 1980, hoje dentro do Espectro como você enxerga tudo isso?
Ficar famoso aos 20 anos, aparecer nos maiores programas de televisão da época foram fator de grande estresse. Eu nunca tive dificuldade para me apresentar num estádio lotado, mas não conseguia falar com alguém no ponto de ônibus. Ser reconhecido na rua me causava pânico, mas isso também foi creditado na lista de "esquisitice de artista". Em 2015, escrevi um livro “AVENIDA NOVA”, no qual eu narrava os primeiros 2 anos de banda, o sucesso, misturando com fatos da minha infância e maturidade. Depois do diagnóstico (2020), reli o livro e percebi que a maioria das coisas que eu narro como verdadeiras tem um ar de ficção. As coisas acontecem como se fossem sonho, e há sempre medo de que a realidade deixe de fazer sentido. Eu não tinha essa visão quando escrevi o livro. Quando converso com pessoas que leram o livro, percebo que elas entendem como ficção as partes que eu narrei com verdades. Mesmo as letras, sempre falam de solidão e incompreensão. O mundo é confuso e indecifrável. Acredite se quiser, eu iniciei cerca de 17 cursos universitários: USP, 2 vezes; PUC, 3 vezes; Mackenzie, 2 vezes; IF-SP... Nos particulares, sempre ganhei bolsa integral por passar nas primeiras colocações ou coisa do gênero. No final do primeiro semestre, eu tinha as melhores notas da sala e o pior relacionamento com colegas e professores. Passei 30 anos tentando completar um curso superior e não sabia que eu não tinha traquejo social para levar o curso na boa. Não desejo isso para ninguém!
6) Mesmo sendo uma descoberta recente, você percebe que a música pode ter ajudado?
Hoje percebo que a arte, de modo geral - a música em especial - foi meu único contato real com o mundo concreto. O casamento dos meus pais era muito desajustado. Meu pai não soube ser presente e foi embora de casa assim que surgiu a primeira oportunidade. Sendo assim, eu não tinha um exemplo palpável de figura paterna. Juntei os pedaços de tudo que vi na literatura, no cinema, na família dos outros e criei um padrão para mim. Só me dei conta da totalidade da minha solidão depois do diagnóstico, embora toda essa pressão já tivesse cobrado seu preço desde cedo, em forma de ansiedade, depressão, baixíssima autoestima, etc. Quando Deus me deu os dons da pintura, da música e da literatura, ele estava garantindo minha existência até o diagnóstico. Também tive a sorte de conhecer a mulher que seria a mãe dos meus filhos, que foi quem realmente segurou a barra nos momentos mais escuros.
7) A partir da descoberta, você procurou mais informações sobre o TEA e se havia mais pessoas famosas dentro do Espectro?
Eu já havia lido muito sobre autismo em virtude de me achar esquisito, mas nunca tinha feito a ligação. Talvez porque o Asperger ainda não estivesse ligado ao espectro. Infelizmente, há uma glamorização do Asperger por causa dos indivíduos com Dupla Excepcionalidade, como é o meu caso. Personagens que morreram há 200 anos são citados como Asperger ou Autistas de alta performance. Isso é falta de respeito com o sofrimento alheio. Fiquei sabendo que pessoas na minha condição, geralmente, moram com os pais até a maturidade ou mais. A literatura psiquiátrica também afirma que as taxas de suicídio e dependência de drogas são altíssimas. As comorbidades são acentuadas naqueles que sobrevivem: depressão e ansiedade são quase que onipresentes. Muitos dos artistas que me inspiram parecem ter relação com a minha condição. Isso me anima a dizer para as pessoas - neurotípicas ou não - que o assunto deve ser tratado sem glamorização e com responsabilidade.
8) Qual conselho ou dica você daria para alguém que recebe o diagnóstico na fase adulta?
Eu descobri quase na velhice. Tem vezes que eu acho que teria sido melhor descobrir mais cedo. Sei lá, não tenho certeza. O que eu diria é: Procure apoio! Existem serviços especializados no SUS. Faço acompanhamento com psicólogo, psiquiatra, nutricionista e TO (terapeuta ocupacional). No meu caso, o TO não tem muito o que fazer, pois quem chegou aos 57 com todas essas dificuldades já criou mecanismos de sobrevivência que funcionam. Uma coisa que me fez sofrer a vida inteira foram os problemas digestivos vindos da seletividade alimentar própria da nossa condição, portanto um nutricionista é muito bem-vindo.
9) Carlos Finho antes e depois de descobrir ser autista?
Antes eu achava que o mundo era confuso; Hoje eu tenho certeza!