Nível de Autismo/Nível de Suporte

Nível de Autismo/Nível de Suporte

Por Fábio Cordeiro
Presidente da ONDA-Autismo


No DSM 5, o TEA é classificado em três níveis de suporte.

O Nível 1 como o que precisa de pouco suporte, o Nível 2 como o que precisa de um suporte mais substancial e o Nível 3, o qual precisa de muito suporte.

Popularmente esses níveis ficaram conhecidos como nível leve, moderado e severo.

Essa popularização no senso comum, que muitas vezes é reforçada inclusive por profissionais, traz uma concepção equivocada de que existiria um autismo mais suave em uma ponta e outro mais pesado em outra.

Tal equívoco acaba por trazer muito prejuízo ao entendimento dessa condição e dificulta que sejam traçados os melhores caminhos no acompanhamento dos indivíduos no espectro do autismo, já que o autismo não tem pontas.

Já o CID 11 entrou em vigor em janeiro do ano de 2023 e deve demorar mais alguns anos ainda para que seja utilizado de maneira definitiva após o período de transição. Ele traz a classificação do Transtorno do Espectro do Autismo variando conforme a presença ou não de déficit intelectual e na linguagem.

Ambas as classificações separam de alguma maneira as pessoas dependendo de quanto apoio necessitariam ou do quanto são deficitários em determinados pontos. Porém, nenhuma delas trata de que suporte as pessoas que estão no espectro do autismo necessitam.

Considero um erro querer colocar pessoas em caixinhas e equiparar existências como se duas pessoas pudessem ser iguais e se apresentarem no mundo da mesma maneira. Com pessoas típicas, não costumamos fazer isso, e a individualidade é levada muito em conta. Aceitamos que um sujeito tenha maior desenvoltura, que o outro seja mais quieto. Esse é melhor em fazer amigos enquanto o outro trabalha muito bem sozinho. Um é bom líder, outro é o que anima a equipe e assim por diante.

Entendemos que uns tocam o baile, alguns dançam a música e outros carregam os instrumentos. Para com as pessoas autistas, esperamos um enquadramento em uma classificação que vai nortear os caminhos daquele ser. E isso não é apenas errado, como também é injusto.

Errado porque somos todos diferentes, com pensamentos, percepções, expressões, visões de mundo e de si próprio únicas. Injusto porque reduz existências a meros checklists classificatórios que de maneira nenhuma são capazes de definir a grandeza do ser.

Uma afirmação forte, mas necessária é a de que pouco importa em que nível uma pessoa autista se classifica. Vejo pais e mães afoitos para saberem o nível dos seus filhos e filhas, vejo prognósticos sendo traçados conforme a classificação que o laudo apresenta. Presencio comparações de quão pesado é este ou aquele grau. Tem o que é "bem levinho", que pesa toneladas a ponto de tirar uma vida. Tem o "bem severo", que presume total incompetência da pessoa que ali se encontra e agora tem até o "profundo", que é tão severo que nem perspectiva de futuro apresenta.

E todas essas posições, novamente, são erradas e injustas! E são tantos os motivos para que essas maneiras de conjecturar futuros sejam prejudiciais que fica até difícil de pontuar em poucas palavras. Ainda pior, essa ânsia de traçar futuros atropela presentes e pode fazer com que toda prospecção exaustiva do amanhã, torne difícil, ou até impossível, viver o hoje.

Ainda assim, a pergunta é: qual o nível do meu filho ou da minha filha!

Eu devolveria com outra pergunta: por que você quer saber qual é o nível?

Alguém pode pensar que é para saber quais suportes prover. E aí chegamos ao ponto. Agora clareamos o que verdadeiramente interessa. De quais suportes a pessoa necessita? Esses suportes estão sendo supridos? Esses são os questionamentos a serem feitos!

Algo muito importante de se entender. Não é o manual que diz quanto e qual suporte para cada um. É como aquele indivíduo se apresenta na sociedade que vai dizer isso e também como a sociedade recebe e acolhe ou não aquela pessoa. Está nas potencialidades e nas dificuldades de cada um mas também nas barreiras impostas para que essas características sejam vivenciadas.

E, a partir daí, o que vai calçar a criatura para a jornada da vida é o fato de ela estar recebendo ou não o suporte necessário para uma vida em equidade na sociedade, como alguém que não é menos merecedor de ser respeitado pela sua unicidade apenas pelo fato de existir na atipicidade.

Além de tudo isso, precisamos rever urgentemente o que os manuais chamam de pouco ou muito suporte. Precisamos trocar essas terminologias apenas por "suporte necessário".

Às vezes, ao necessitar de muito suporte para executar uma atividade cognitiva, em contrapartida, pode-se precisar de pouco suporte psicológico para enfrentar um olhar julgador. Um estudante que demande um suporte substancial para uma atividade motora pode precisar de nenhum suporte para uma atividade artística que aprendeu de maneira autodidata.

Alguém que julga o manual necessitar de pouco suporte pode ir bem na escola, pegar ônibus sozinho, trabalhar e, ainda assim, apresentar ideaçōes suicidas ou até mesmo concretizar de fato o ato extremo por ter lhe faltado um grande suporte psicológico para encarar a falta de aceitação de suas "esquisitices", que nada mais são do que sua maneira de se regular aos estímulos do meio.

Precisou de muito suporte e ninguém viu, nem o manual, nem o profissional, nem quem a amava e nem ela mesma. Era leve, era nível 1 e dizia na classificação que necessitava de pouco suporte. Qual era o suporte mesmo que lá constava? Agora não há de importar.

E, pra vocês, o que realmente importa?