Dia do Orgulho Autista. Por que existe um dia como esse?

Dia do Orgulho Autista. Por que existe um dia como esse?

Por Fábio Cordeiro
Presidente da ONDA-Autismo


Orgulho tem a ver com quem somos e com o que é preciso para existirmos de determinada maneira.

Então, para chegarmos a uma resposta para a questão do motivo de existir um dia que comemore o orgulho Autista, precisamos primeiro entender exatamente esses pontos: quem somos e o que é necessário para sermos.

É comum, nessa data, que ocorram questionamentos - muitos deles provenientes de pessoas que não são Autistas - sobre como se orgulhar do autismo se ele traz tantas dificuldades para as pessoas ou para as famílias.

E aqui já vemos um equívoco importante que passa desapercebido por quem faz essa indagação e também por quem possa pensar que tal dúvida tem fundamento.

Neste mês de junho, mais especificamente no dia 18, comemoramos o orgulho Autista. Orgulho de ser quem somos, como somos, com nossas qualidades e defeitos, com nossas dificuldades e também potencialidades.

Não se trata de Autismo. Não se enganem! Trata-se do Autista... Da pessoa que existe enquanto alguém que vê, percebe o mundo e interage com ele por um prisma diferenciado, divergente, atípico, único!

Não é sobre TER, é sobre SER! Ser, porque não temos autismo; somos pessoas que existimos no mundo como Autistas e não apenas como quem tem um transtorno.

Ter remete a algo externo, mas o autismo faz parte de nós, de quem somos e como somos, como amamos, como sentimos, como sofremos, como somos felizes e também como demonstramos tudo isso, de dentro para fora.

O Autismo é de dentro para fora. Pela mesma linha de raciocínio, vejam a questão da amizade, por exemplo. Podemos falar que temos amigos. Ter, como eu disse, remete a algo que vem de fora; logo, ter amigos é algo que entendemos pelo fato de alguém que vem de fora da nossa existência estar alinhado conosco numa troca mútua. Também podemos "ser amigos", e isso vem de nós, de dentro. Somos amigos, porque minha amizade para com o outro vem do meu interior para fora, para o mundo.

Então, podemos ter amigos e ser amigo. Já o Autismo nunca vem de fora. O Autismo sempre parte do interior para o mundo, e não tem como eu ter o autismo já que não há como vir de outrem, vir de fora.

Uma condição humana não se dissocia do ser que existe na própria condição. Ninguém tem heterossexualidade ou homossexualidade, assim como ninguém tem Autismo. A pessoa é!

O que vem de fora no Autismo geralmente é ligado a alguns fatores. Um deles é que somos muito inclinados, ainda, na nossa sociedade, a ver a condição de Autismo por um modelo médico. O que trata do transtorno, e não da condição. Mas a condição do Autismo é muito maior do que o transtorno, inclusive, a condição engloba o Transtorno, e nunca o contrário.

E muito do que causa o transtorno é outro ponto que vem de fora, quando há a intolerância, preconceito, discriminação, bullying, falta de acesso à saúde.... E tudo isso, porque a pessoa Autista se apresenta de maneira diferente do que a sociedade encara como normal. E aí vem a depressão, a autoestima abalada, o sentimento de que incomodamos, de que não temos o direito de pertencer ao mundo apenas porque somos diferentes, porque não somos o que foi idealizado enquanto filhos, enquanto estudantes, enquanto profissionais, enquanto pessoas.

Como se não devessemos existir! E devemos? Será que devemos? Temos que provar que merecemos?

Temos que estar nos provando o tempo todo, enfrentando a invalidação dos nossos sentimentos, da nossa capacidade, do nosso discernimento. E, quando conseguimos provar tudo isso, que podemos sentir, que somos capazes, que temos consciência, aí temos que provar nossa condição. Afinal, para a sociedade, ser Autista é sinônimo de não poder!

Não podemos nem ser, quando tratam a nossa existência como algo alheio a nós mesmos. "Ele tem Autismo!!!" E o Autismo que a sociedade insiste ser algo que "ele tem" só se aplica aos moldes que um olhar capacitista aceita. Do contrário, "ele não tem!"

"Ele não tem autismo, porque ele trabalha; ele não tem autismo, porque ele cresceu; ele não tem autismo; porque tem capacidade de SER alguém na vida".

E vem um pessoal aí e diz: eu sou, tenho orgulho do que sou, tenho orgulho de como sou! Não sou vítima, eu existo e mereço. Tenho que ser guerreiro muitas vezes, mas não queria precisar. Tenho que ser exemplo de superação muitas vezes, mas não queria precisar. Eu apenas quero existir e ser respeitado da maneira que sou.

Não queremos que sejamos vistos como algo a ser suportado ou algo a ser superado. Todo ser humano que tem uma dificuldade merece ter auxílio, e, com a pessoa Autista, não é diferente. Quando a sociedade nos tira o direito de pertencer e quer dissociar a maneira que existimos, dizendo, abertamente ou nas entrelinhas muitas vezes, que precisamos de conserto, de cura, de sermos superados, isso leva a números trágicos de pessoas autistas deprimidas, tristes, isoladas, excluídas, que não querem existir nesse mundo e que pensam em morrer.

Já ouvi que queriam que o Autismo sumisse do mundo. Estou num nível de compreensão da minha condição de existência que entende que alguém que pensa isso, novamente, está pensando no autismo apenas como um transtorno, como uma condição médica. Alguém que ainda não entendeu que o Autismo é muito mais do que isso.

Eu também gostaria que as questões do Transtorno não existissem. Que tudo que faz mal para a pessoa Autista pudesse ser contornado. Mas, novamente, se alguém só consegue ver no Autismo essas questões que trazem coisas ruíns, infelizmente ainda não compreendeu o Autismo como maneira de existir no mundo, e talvez seja exatamente essa pessoa que precise sentir o orgulho de ser quem é.

Voltando ao início: quem somos? Pessoas Autistas que têm muito a somar no mundo, seja mostrando maneiras diversas de amar, de aprender, de trabalhar, de demonstrar afeto, de ensinar os que estão ao redor. Ou seja, para mostrar que não se pode escolher a maneira do outro estar conosco, mas que podemos escolher como estaremos com eles. Se lado a lado, como seres humanos ou como se fôssemos superiores por acharmos que existimos de maneira mais correta, mais adequada, mais normal que o outro.

O que é preciso para existirmos? Ainda é preciso superar, ainda é preciso provar, ainda é preciso encarar dificuldades que não são autismo, mas questões de fora, como abusos diversos que precisamos encarar... E com certeza precisamos ter orgulho de quem Somos por seguirmos diante de todas essas barreiras que nos são colocadas.

Orgulho, é importante frisar, geralmente vem de algo que é difícil conquistar. Ainda é difícil ser Autista no mundo. Mas orgulho também é algo que nos faz olharmos pra nós mesmos e pensarmos: puxa, eu gosto de ser quem sou, eu tenho qualidades, eu não sou um transtorno, eu sou muito mais que isso; ser diferente é o que me faz único; eu mereço estar aqui e sorte de quem convive e pode entender isso junto comigo!!!

Eu preciso de ajuda, eu quero ajuda. Eu não nego as dificuldades, mas não posso me resumir a um problema, como muitas vezes sou encarado. Eu tenho orgulho de mim e quero continuar.

Isso é o orgulho Autista. Isso afasta pensamentos suicidas. Isso afasta a visão de que Autismo é só negatividade. Orgulho é pedir por respeito. Orgulho é se respeitar.

Você, pessoa Autista que não está se orgulhando de si, procure ajuda, fale! Não deixe que esse sentimento de tristeza tome conta de você. Ser feliz é possível, por mais que, em algum momento, não pareça. Procure ajuda, abra-se para alguém próximo, que garanto que é possível. Eu já estive nesse lugar de tristeza extrema e de falta de perspectiva, então o intuito não é julgar, é estender a mão para que a pessoa possa chegar a esse sentimento de orgulho que sinto hoje.

Você, pai, mãe, familiar de uma pessoa Autista que não está vendo nada belo no Autismo... Acredite também que o seu filho, sua filha merece todo o apoio que necessite e que ele pode ser feliz, que ele merece ser feliz e que vocês merecem ver seu filho, sua filha feliz, e que, se, neste momento, vocês só enxergam coisas negativas, é porque está faltando auxílio, tratamento, aceitação, inclusão, respeito, compreensão, mas nunca uma cura para o Autismo.

Quem somos não precisa ser curado. Como somos tem que ser respeitado. E o respeito engloba os cuidados que o ser humano merece. Qualquer ser humano. Com o Autista, não é diferente.