Precisamos romper com o normal!

Precisamos romper com o normal!

Por Fábio Cordeiro
Presidente da ONDA-Autismo


​que pensamento típico esse

onde o "normal" rejeita o diverso

quem sabe um dia o padrão seja o inverso.



A nossa sociedade está alicerçada sobre um padrão de normalidade que se baseia apenas num construto social em que inconscientemente, ou não, privilegia-se o comum, o normal, como costuma-se dize em detrimento do que é diferente.

Esse pensamento, além de ser prejudicial à própria convivência em sociedade, não se sustenta por diversos fatores. Social, econômica, artisticamente e ainda em muitos outros contextos o que sobressai, constantemente, é o que se apresenta de maneira que foge ao comum.

Porém, desde muito cedo, somos ensinados a nos afastarmos do que é considerado fora do padrão.

"Não fica perto daquela criança, ela é esquisita, é um risco para as outras".

"Brinca direito, não é assim que se usa esse brinquedo".

Nota baixa não pode, tem que tirar notas altas para ser inteligente. Mas nota muito alta também não é bom, melhor mesmo é ficar na média, pois aluno na média não dá muito trabalho.

E assim seguimos "ensinando" como ser normal para que o encaixe seja mais simples perante os outros.

O problema é que não tem como ensinar alguém a ser "normal". Costumes, hábitos, tarefas podem ser ensinadas, mas essência não se ensina.

E antes que alguém reclame, não estou dizendo que ser comum, ser como a maioria tem algum problema. Não se trata disso. Tudo bem ser comum, tudo bem estar na média, mas não é isso o sinônimo de normal. Normal é o todo, normal é ser diverso. Até porque nem mesmo a régua que mede essa média é um bom parâmetro. Essa média que mede a beleza, a inteligência, a esquisitice também é um construto social que nem mesmo é estático mudando de época em época.

E o que é mais curioso é que, independentemente da época em que algum padrão de normalidade se aplique, novamente o que sobressai é o que foge a ele.

Agora mesmo podemos presenciar todos os dias nos jogos olímpicos exemplos disso.

Todo dia a história de uma menina que não era como as outras e que, desde cedo, mostrava que tinha outros interesses, outras habilidades e que agora sorri com uma medalha no peito.

Aquele menino que na escola não ia bem, as notas nem sempre eram muito boas, mas que, ao acreditarem em um outro talento seu, deram a oportunidade de estar em pé na frente de outros tantos bem mais comuns que ele e que agora aplaudem o brilho dourado.

Tantos ali que fugiram do comum para realizar o fantástico. E a história nos mostra que grandes notáveis, nas mais diversas áreas, não pareciam pessoas comuns.

E aqui está a problemática de toda essa insistência em tachar o que é ou não normal. Porque, apesar de o contexto fazer parecer que essas pessoas não são comuns, que são fora do normal, cada uma delas é sim normal a sua maneira.

Tornando a usar o exemplo dos jogos olímpicos, para que aquela pessoa que está no alto do pódio com a medalha de ouro tenha se saído vencedora, 99% das outras pessoas que competiram tiveram que perder. Mas será que perderam mesmo ou apenas foram vencedoras de suas histórias? Foram espetaculares a sua maneira? E se todas essas que não estão no topo do pódio não se dispusessem a competir, não haveria alguém lá em cima também.

Ou seja, todos precisamos do todo, e são as diferenças que constituem o nosso existir. Nossas vitórias e nossas derrotas, nossos êxitos e infortúnios dependem de nossa humanidade. E humanidade é sinônimo de diversidade. E diversidade deveria somar e não dividir.

Diante de tudo isso, alguém ainda pode pensar que é fácil dizer tudo isso sobre aceitação, usando o exemplo de um atleta olímpico, pois claro, fácil aceitar quem se deu bem na vida. Mas ninguém quer ter um filho fora do padrão, que vai ser excluído e que vai sofrer preconceito por ser diferente.

Primeiro, é importante lembrar que não dá para medir as dores nem as dificuldades alheias, bem como a felicidade. Sei que temos essa mania de medir tudo, mas novamente essa régua não é boa. Não dá para dizer que está tudo bem porque o atleta ficou em primeiro, porque o pintor vendeu um quadro por milhões ou porque alguém se tornou um gênio da física quântica. Só a própria pessoa sabe o que lhe aflige.

Segundo, até mesmo essa medição de sucesso é algo que, como sociedade, somos induzidos a fazer por parâmetros que nem sempre são os melhores. Alguns são bons no esporte, outros são bons músicos, outros academicamente brilhantes, mas tem quem seja o melhor em dar um sorriso, em demonstrar afeto só com um olhar, a melhor pessoa em estender a mão quando o outro precisa ou o melhor amarrador de cadarços sem ajuda de ninguém que você possa imaginar. E está tudo bem.

Aceitar a diversidade por vezes é aceitar que existem adversidades, e sucesso é poder conviver com quem amamos e com todos, cada um com seu jeito de existir, respeitando e sendo respeitado. E ajudar a pessoa nas suas dificuldades, ao invés de julgar, também é sinal de respeito. Entender que existem essas adversidades não quer dizer que não devemos buscar auxiliar, aliás, é preciso entender onde está a dificuldade para poder trabalhar nela. Mas é preciso entender que existem essas pessoas com dificuldades e que essas também estão dentro da normalidade.

Respeito às diferenças é o que nos faz grandes. Não adianta querer que todos se encaixem no padrão, porque o que hoje é o normal amanhã será esquisito. E como eu já disse, todos temos uma essência que não se ensina, e, se essa é motivo de exclusão, o que está errado é o julgador e não o julgado.

Não se pode, com o pretexto de evitar julgamento alheio, querer que alguém seja o que não é!

Buscar uma cura para a essência é um caminho fadado à frustração. Mas podemos buscar ensinar nossos filhos a não tolerarem preconceito, seja qual for, porque não tem como pedirmos aceitação para os nossos filhos e não aceitarmos os filhos de outros.