TEA & Resistência à dor

TEA & Resistência à dor

Por Adriana Ferreira
Casos e causos do João.
Conselheira Estadual de SC e Voluntária do Instituto AutismoS


Muitas pessoas autistas apresentam um processamento sensorial diferente das pessoas neurotípicas, e isso pode fazer com que alguns sinais de dor não sejam percebidos da maneira convencional. O sistema nervoso periférico central, que capta as questões sensoriais, nas pessoas autistas pode estar alterado e, assim, experienciar menos dor. Não quer dizer que elas não sintam aquele estímulo, mas a relação delas com o perigo, causado por aquele estímulo, e a dor é diferente.
As pessoas autistas nem sempre conseguem expressar a dor que, de fato, sentem. Às vezes, quando a dor é muito forte, elas podem até reagir de modo oposto ao da maioria das pessoas, parecendo indiferentes, "sem dor".
E isso pode ser um problema, pois pode colocá-la em situação de risco, algumas vezes.
Quem corta o pé com um caco de vidro e continua caminhando com o vidro dentro do pé, sem mancar e reclamar de dor?
O João, sim!
Só percebi o que tinha acontecido, porque o piso da lavanderia e da cozinha estavam com rastros de sangue. João estava brincando sem chinelo, no jardim com a sua cadela Bela, e simplesmente não sentiu o corte profundo que havia dado na sola do pé. Eu me assustei, mas ele nem ligou.
Quando ele era criança, caía, batia com a cabecinha, já abriu a testa, o queixo, levou pontos, e não chorou. Nunca chorou desde bebê, para tomar vacina ou injeção. Quando tinha 6 anos, precisou fazer cirurgia de retirada das amígdalas, sabemos que é uma cirurgia chata, que normalmente provoca reclamações, mas não chorou, foi supertranquilo.
No dentista, ele não sente dor, quando precisou fazer canal, só disse que estava dando uma fisgadinha no dente, " imagina a fisgadinha".
João tem pouca mobilidade de ombro, o que dificulta fazer a execução de alguns exercícios no crossfit. O coach percebe que tem algo errado com ele, quando não está fazendo o movimento correto, e pergunta: “João, está doendo?”. Ele responde: “Estou sentindo um pouco.”
Mas, se não perguntar para ele, fará 50 movimentos ou até 100 sem reclamar.
Por muito tempo, calçou o tênis menor que seu pé, nunca reclamou que estava apertando os dedos.
João até hoje tropeça, e muitas vezes tira a ponta do dedão do pé quando está de chinelo ou descalço. E vocês sabem o quanto dói! Mas eu só descubro quando vejo o sangue já seco no seu dedão.
É muito importante que os pais, os cuidadores e os familiares os observem detalhadamente, quando desconfiados de que algo não esteja bem. Precisamos estar atentos aos comportamentos.